quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Qualquer indivíduo proprietário de um laptop vagabundo se auto qualifica como designer

Vicente Gil 01/08/2011 11:00

" Viver na sociedade atual, com toda explosão da cultura visual, nos leva a considerar o design gráfico como parte óbvia da vida cotidiana, em que muito raramente sua importância é de fato considerada. Por outro lado, existe a certeza absoluta de que o design não mata a fome, mas, sim, pode gerar fome, na medida em que utiliza mão de obra barata, contribuindo para o aumento da miséria no mundo subdesenvolvido. Design numa abordagem ampla é parte da cadeia produtiva. A interação com outras áreas e profissões é importantíssima, mas sempre vale lembrar que o design é acima de tudo tratar o imperfeito com perfeição por meio de objetivos e conceitos capazes de simplificar o mundo. Porém, o clima geral incomoda, bem como a qualidade do que se vem produzindo nos últimos anos.Paralelamente, os verdadeiros designers gráficos estão passando por momentos de penúria e sendo forçados a encontrar caminhos alternativos na forma de projetar e produzir design. Afirmar que o design gráfico está morto seria exagero, claro, mas pensar no design gráfico de forma ampla e abrangente, sem especialidades, deve ser o pensamento mais sensato. A concepção do design deve ser pensada como algo que funcione; se funciona produz resultados. A fabricação e produção de pequenos objetos estão em franca ascensão e o cliente não compra mais a prestação de serviços do designer, mas, sim, produtos prontos que por ventura ele possa gostar. Conseguimos perceber que pouca coisa tem de fato qualidade nesse quesito. Tentar apontar as causas e consequências disso é o assunto deste artigo. Existe uma outra certeza absoluta: a de que a maior responsabilidade foi a tão elogiada e valorizada transformação da tecnologia do desenho ocorrida nos anos 1990, com o advento do computador, que, sem dúvida nenhuma, é uma ferramenta que facilitou, desenvolveu e por fim acabou banalizando a profissão do designer, principalmente o gráfico. Qualquer indivíduo proprietário de um laptop vagabundo se auto qualifica como designer e sai produzindo as maiores barbaridades. Por outro lado, os clientes, que em sua total e absoluta ignorância visual, acabam impondo e decidindo conceitos com as quais não têm a menor habilidade e conhecimento. Sem citar os "piratas visuais", que frequentaram cursos de software por dois meses Photoshop e Illustrator) e pensam que são designers, passam a praticar preços que prejudicam todo o mercado de trabalho e com péssimos resultados. Essa tecnologia fantástica e cada vez mais ao alcance de todos é uma das maiores responsáveis pela deteriorização da profissão. Mas, como profissionais desse ofício, devemos pensar nessa tecnologia como uma ferramenta que não pode ser culpada por seu mau uso, mas, sim, nos concentrarmos na essência do design e não esquecermos que sua função principal é a da comunicação por meio de qualquer mídia, suporte ou estilo, buscando sempre colaborar com os clientes num planejamento estratégico, evitando urgências e atropelos e, só dessa maneira, a importância do design poderá ser retomada.

Mas claro que para isso os profissionais deverão estar preocupados em se aprimorar, porque esse é um ofício que nunca se completa e sempre se utiliza de pesquisa para seu bom desenvolvimento. A maioria dos profissionais, por sua vez, não pesquisa e produz por meio de uma repetição de fórmulas, frequentemente péssimas imitações, sem buscar um conceito capaz de contribuir socialmente na evolução cultural da população, ampliando seu repertório visual.

Faltam leis e diretrizes que definam as reais atribuições do designer como profissional. Se hoje o design gráfico é visto com indiferença, como um ofício leviano, isso se deve porque, querendo ou não, os designers permitiram. As associações deveriam ser amplamente apoiadas para que essa profissão fosse regulamentada e que assim o trabalho em design fosse protegido. Deve haver um combate sério e claro para que o cliente possa readquirir confiança e deixar de ser iludido pelos "fazedores de coisas bonitinhas" ou, simplesmente, pelos novos operários de "FotoChoque".

Essas associações deveriam existir como existem para outras profissões. se os designers possuíssem uma matrícula profissional, muitos dos atuais problemas poderiam ser resolvidos. Existem universidades que ministram cursos que se limitam a difundir e ensinar softwares, que na verdade são apenas ferramentas e deixam para um plano inferior a estética, o estudo conceitual e formal e, acima de tudo, a ética. Além de contarem com um corpo docente de péssima qualidade - uma vez que sempre querem pagar menos a esses profissionais e acabam disponibilizando para o mercado pessoas completamente incompetentes, que imediatamente ingressam em obscuros cursos de pós-graduação -, instituições privilegiadas pelo governo, que já arrebentou com o ensino público básico e quer, agora, engolir o ensino público superior, vêm deteriorando a olhos vistos os grandes centros brasileiros. Assim, perdem importância e acabam produzindo pessoas incompetentes e incapazes. Para piorar, no decorrer dos últimos oito anos, tiveram um grande incentivo de ignorância e demagogia de um presidente da República que se orgulhava de não ter sequer frequentado uma universidade. Embora existam casos de autoditatismo, isso não justifica que a preparação acadêmica e a depuração do talento não sejam necessárias. Esse excesso na oferta de mão de obra, propiciada pelo ensino privado, com um nível de exigência muito aquém do desejável e, pior, incentivado pelo governo, gerou uma enorme redução nos preços praticados pelos designers. A facilidade no ingresso da vida acadêmica oferece uma visão falsa na obtenção de um título sem a necessidade de estudar matemática, que é essencial no desenvolvimento do profissional de design, que, claro, tem que ter vocação e o prazer pela prática da profissão. Muitos escolhem a atividade porque a consideram simples. Os jovens estudantes pensam que estudar design é como se não estivessem estudando nada, porque não aprendem nada. A invenção da máquina de escrever não transformou todos em escritores e não vai ser a invenção do computador que vai transformar todos em designers."

Fonte:
Imprensa - Jornalismo e Comunicação

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